sábado, 21 de julho de 2012

A Proteção dos Animais



A Proteção dos Animais
Ao nosso grito de apelo em prol dos pobres animais, tão onerados de deveres, mas tão desprotegidos de direitos, entre nós, corresponderam quatro dos nossos colegas: Diário dos Açores, San Miguel, Correio Micaelense e Revista Pedagógica.
Ao primeiro destes jornais, que citamos pela ordem cronológica dos locais que produziram, somos devedores, entre outras amabilidades, da transcrição de parte do nosso artigo a favor dos nossos irmãos inferiores.
Com respeito ao último, cumpre-nos elucidar que de há muito existe entre nós a compreensão da necessidade do estabelecimento de uma sociedade protetora dos animais, ideia cuja prioridade por forma alguma disputamos, sendo o primeiro, que saibamos, a aventá-la in illo tempora, o falecido advogado e grande homem de bem, Dr. Henrique Ferreira de Paula Medeiros, (1), que nunca conseguiu dar-lhe, contudo realização. De então para cá, uma ou outra vez têm aparecido pequenos artigos verberando os autores de maus tratos aos irracionais, mas sem que conseguissem serem tomadas providências.
Neste jornal, por mais de uma vez, nos temos ocupado do assunto, e anteriormente o fizemos num diário confiado à nossa direção, O Diário de Anúncios, publicando neste uma série de artigos que obtiveram do Zeoófilo, órgão da Sociedade Protetora dos Animais de Lisboa, a distinção, certamente imerecida, da transcrição integral.
Esses e outros esforços eram visivelmente sinceros mas não passaram das regiões do puro platonismo.
Cumpre agora, que alguns jornais se encontram dispostos a combater em prol do mesmo ideal, não deixar de mão o assunto, que é certamente alevantado e indiscutivelmente civilizador.
Quem trata carinhosamente os animais, tem a alta compreensão dos seus deveres para com os seus semelhantes.
À piedade e à misericórdia tem direito todo o ser vivente, desde o momento em que seja inofensivo e sofra.
Da guerra aos lobos deve resultar, coerentemente, a proteção aos cordeiros.
E como o Diário dos Açores se prontificou a operar ativamente nesta campanha, convidamos a sua redação, na qualidade de decano, a promover uma reunião de representantes dos quatro jornais acima citados, reunião em que poderão ser discutidos os estatutos de uma sociedade protetora dos animais e nomeada a sua direção.
Pela nossa parte, desde já oferecemos a nossa colaboração ativa e constante, assim como a de alguns amigos dos animais, de quem recebemos, por ocasião da publicação do nosso artigo, os mais animadores aplausos.
(1)                 O Dr. Henrique Ferreira de Paula Medeiros era um grande amigo dos animais. Ainda nos lembramos de o ver, montado numa jumenta arcaica, que mal podia com ele, e que não a substituía por não a querer abandonar, em direção à sua quinta da Fajã, onde tão excelente chá verde, confecionado pelas suas próprias mãos, oferecia aos seus amigos.

O quintal de sua casa na rua do Valverde, hoje propriedade do sr. João Luís da Câmara, a cuja esposa, sua sobrinha, a legou, era um verdadeiro asilo para os felinos, que lá cresciam e se multiplicavam, conforme o preceito evangélico.

O cão, amigo do homem, segundo a frase dos franceses, tinha nele um extremoso defensor, achando-se encarregados de alegrar o seu lar de solteirão, alguns felizardos da espécie canina, que muita vez afagamos, no seu gabinete, de mobiliário antigo, cujas paredes eram ocupadas por grandes estantes de mogno.

Desse sossegado quarto de trabalho, possuímos uma relíquia: dois quadros contendo valiosas gravuras em cobre com os retratos das famílias Orleânica e Napoleónica, que devemos à amizade da irmã do Dr. Paula Medeiros, a Exª Sr.ª Dona Maria Ermelinda de Medeiros Botelho, veneranda viúva do nosso saudoso amigo, o grande democrata Dr. José Pereira Botelho.

De resto a caridade do Dr. Henrique de Paula Medeiros estendia-se à espécie humana, e foi em virtude de uma proposta sua, quando deputado por este circulo, que foi votada uma pensão vitalícia aos sobreviventes dos 7000 bravos do Mindelo.
Chamávamos-lhe, por brincadeira que benevolamente consentia aos nossos então verdes anos: Le chevalier sans peur et sans reproche, e, com efeito, bem sentava a divisa de Bayard ao respeitável ancião.

(A Folha, nº 318, 8 de Novembro de 1908)

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