quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Alice Moderno e Vila Franca do Campo




ALICE MODERNO E A PROTEÇÃO DOS ANIMAIS EM VILA FRANCA DO CAMPO

Já por diversas vezes tive a oportunidade de escrever sobre o papel de Alice Moderno (1867-1946) na luta pela proteção dos animais no arquipélago dos Açores, nomeadamente na fundação e dinamização da atividade da Sociedade Micaelenses Protetora dos Animais, na denúncia persistente dos maus tratos infligidos aos animais de companhia e aos usados no transporte de mercadorias e, por último, no seu contributo, através da sua herança, para a construção de um hospital para tratamento dos animais doentes.
Numa altura em que um, ainda pequeno, grupo de vilafranquenses sensíveis à causa animal está a preparar uma ação de sensibilização com vista a minorar o sofrimento dos animais de companhia que são vítimas de maus tratos e de abandono, acabando por ir parar aos canis onde na sua maioria são abatidos, achei por bem dar a conhecer, através dos relatos de Alice Moderno, o que se passava no início do século passado e fazer o confronto com o que se passa hoje.
Começo por recordar que o jornal “O Autonómico”, que se publicou em Vila Franca do Campo, foi um grande defensor dos animais, quer saudando a criação de associações de proteção, quer exigindo o cumprimento do código de posturas municipal, quer denunciando os abusos cometidos.
A este propósito, Alice Moderno, a 13 de Outubro de 1912, denunciou no seu Jornal “A Folha” a existência “na pátria de Bento de Góis” de “um vendilhão de peixe, surdo-mudo de nascença, que espanca o pobre burro que lhe serve de ganha-pão com uma ferocidade inaudita e revoltante”. Segundo ela, que presenciou o episódio, “o pobre burro” foi alvo de “enormes bordoadas” por parte de um “ferocíssimo aborto” que estava “armado de um grosso cacete”.
Hoje, os animais de tiro quase desapareceram e com o seu desaparecimento terão acabado (?) os maus tratos de que eram vítimas e que cheguei a presenciar, na Ribeira Seca, durante a minha infância e juventude. 
Ainda recentemente, tive a oportunidade e a tristeza de observar, em Água d’Alto, um cavalo que estava debilitado, fruto de um alimentação insuficiente e possivelmente de falta de tratamento veterinário adequado.
No que diz respeito ao melhor amigo do homem, o cão, Vila Franca do Campo tem, por um lado, exemplos de pessoas que têm sabido dedicar algum do seu tempo à sua proteção e, por outro, tem exemplos de gente de coração empedernido que trata os animais como se calhaus fossem.
Em 1945, Alice Moderno denunciou, no Diário dos Açores, o facto de “Vila Franca das Flores” se distinguir “pela guerra feita ao mais fiel amigo do homem, o pobre cão”.
No texto referido, intitulado “Envenenamento de um cão”, Alice Moderno menciona as denúncias que tem recebido por parte de vários vilafranquenses, entre os quais o Dr. Urbano Mendonça Dias, relativas ao “lamentável espetáculo que oferecem, expostos nas ruas, cadáveres de cães a que foi propinada estricnina por mão incógnita e impiedosa”.
Por último, Alice Moderno menciona um caso de abandono, muito comum nos dias de hoje, que mostra a crueldade de alguns e a humanidade de outros. Aqui fica o relato:
“Ultimamente deu-se mais um destes casos: um continental saiu da vila abandonando o um pobre cão que possuía.
Uma gentil criança, filha do sr. Manuel Cabral de Melo, residente na rua da Vitória, tomou o desamparado quadrúpede sob a sua proteção, e todos os dias lhe fornecia um repasto que lhe garantia a existência.
Pessoa de mau coração - parece que moradora na mesma rua e muito embora o infeliz animal fosse absolutamente inofensivo, entendeu eliminá-lo da circulação envenenando-o cruelmente com grande mágoa do seu jovem protetor, cujo excelente coração é digno de maiores elogios.
Felizmente, parece que semelhantes casos não se repetirão por muito tempo visto que no continente da República há quem esteja eficazmente ocupando dos direitos dos irracionais e do dever que assiste ao Estado de os proteger”.
Infelizmente, quase setenta anos depois, o flagelo do abandono de animais de companhia ainda não foi debelado. Até quando continuará o crime sem castigo?
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, nº 2946, 13 de Novembro de 2013, p.16)

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Educadores Açorianos



O Professor Catedrático da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa, António Sampaio da Nóvoa, é autor de uma obra fabulosa editada, em 2003, pelas Edições Asa intitulada “Dicionário de Educadores Portugueses”. Nesta obra o autor reúne 900 biografias de homens e mulheres que durante os séculos XIX e XX dedicaram as suas vidas à educação e ao ensino.

No seu livro, António da Nóvoa não se esqueceu dos Açores, tendo apresentado as biografias de alguns açorianos, como Alice Moderno, Ana Augusta Castilho, António Augusto Riley da Mota, João Anglin e Maria Evelina de Sousa.

Em textos anteriores já fiz referência a alguns dos educadores mencionados acima, com destaque para Alice Moderno e Maria Evelina da Sousa, pelo contributo que deram à proteção dos animais, João Anglin, por na sua juventude ter sido adepto do anarquismo e António Augusto Riley da Mota, pela defesa do ensino experimental.

No caso do desprezo a que tem sido votado o ensino das ciências experimentais recordo que estamos a caminhar para a situação denunciada pelo Dr. António Augusto Riley da Mota que deu a conhecer o facto de ter feito o ensino liceal, em Ponta Delgada, entre 1905 e 1910, sem nunca “ter visto um tubo de ensaio, nem o ácido sulfúrico.”

Maria Evelina de Sousa, que foi professora primária oficial e jornalista, distinguiu-se pela criação da Revista Pedagógica, órgão do professorado oficial açoriano, que se publicou entre 1906 e 1916.

Republicana, como Alice Moderno, Maria Evelina de Sousa ainda durante o regime monárquico defendeu “a proibição do ensino de matéria religiosa nos estabelecimentos escolares, congratulando-se com o decreto republicano que extingue, nas escolas primárias e normais, a doutrina cristã”.

Até à relativamente pouco tempo desconhecida para mim, a terceirense Ana Augusta de Castilho (1866- 1916) que foi professora e escritora, distinguiu-se a nível nacional por ter participado ativamente em várias associações feministas e por ser considerada pelas pessoas que com ela conviveram e defenderam as mesmas causas “uma das mais prestigiadas defensoras dos direitos das mulheres”.

Sobre a sua dedicação à concretização dos seus ideais, Alice Moderno escreveu: “D. Ana de Castilho era uma figura neste meio desfalecido, apagado, em que as individualidades cedem aos preconceitos, atrofiando-se, aniquilando-se com medo do ridículo. Ela nunca receou o ridículo, nunca se importou com os sorrisos ineptos que se esboçavam à sua passagem, nunca perdeu a fé no seu credo social, no seu apostolado, de inteligência, de bem, de paz. Foi e era a alma de todas as associações femininas de propaganda e de beneficência que se têm fundado entre nós”.

Segundo Maria Evelina de Sousa, Ana Augusta de Castilho “procurava sempre, com brilho e eloquência, demonstrar a necessidade absoluta e inadiável de se praticar Justiça na humanidade, levantando-se o nível moral das sociedades pela emancipação da mulher como estabelecimento da igualdade de direitos e deveres entre os dois sexos de que essa humanidade se compõe, a fim de que a civilização não continue a ser uma palavra vã e possa significar a perfeição a que todo o ser aspira”.

Para terminar, apresento aqui um dos seus argumentos, extraídos da obra Republicanas quase desconhecidas, da autoria de Fina d’Armada, para combater quem era contrário ao direitos das mulheres votarem:

“Diz-se que a mulher, tendo o voto, descurará as suas ocupações domésticas. Que argumento tão pueril! Porventura o operário, que tem a faculdade de votar, abandona, por esse facto, o labor da sua profissão?”

Por último, para Ana Castilho a não concessão do voto à mulher é justificado porque “ é o predomínio, é o direito de posse [do homem], é a supremacia sobre a mulher de que ele não se quer ver privado”
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, nº 2791, 8 de Maio de 2013, p.18)

segunda-feira, 18 de março de 2013

Alice Moderno na Enciclopédia Açoriana


Alice Moderno

[N. Paris, 11.8.1867 – m. S. Sebastião, Ponta Delgada, 20.2.1946] No ano em que nasceu, veio com os pais à ilha Terceira, onde ficaria alguns meses antes de regressar a Paris. Em 1876, voltaria àquela ilha e depois, em 1883, fixar-se-ia em Ponta Delgada, sempre acompanhada dos pais. Foi neste último ano que entrou na vida literária com a publicação da poesia Morreu! (Açoriano Oriental, 18.9.1883). Em 1886, publicou o primeiro livro de poemas, Aspirações, e em 1892, publicou o primeiro romance, O Dr. Luís Sandoval. Deixou ainda três peças de teatro e um ensaio.

Fundou os jornais O Recreio das Salas, em 1888, e A Folha, em 1902 que terminaria em 1917. Em 1891, começou a colaborar, ativamente, no jornal Diário de Anúncios de que tomou a direção entre 1892 e 1893.

Em 1910 participou ativamente na vida social como republicana e feminista e, em 1911, fundou a Sociedade Micaelense Protetora dos Animais. Depois da sua morte, em 1948, foi inaugurado o «Hospital Alice Moderno» e, em 1956, com o dinheiro da arrematação dos seus bens foi comprada a Casa do Gaiato.

Foi a primeira aluna a frequentar o Liceu em Ponta Delgada (1887/1888?). Exerceu atividade docente como professora do ensino particular.

Luís M. Arruda
(ENCICLOPÉDIA AÇORIANA)

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Maus Tratos aos Animais


O Exmo. Sr. Governador Civil deste distrito, por intermédio do sr. Administrador do concelho, fez publicar um edital suscitando a observância dos artigos 182 e 183 do código administrativo, relativo aos maus tratamentos que a todo o momento vemos dar aos animais domésticos.
De entre todos tem sido este…vez, que mais tem tratado deste assunto, pedindo às autoridades as precisas medidas para coibir os repugnantes abusos que temos visto praticar, e cumpre-nos, em primeiro lugar, lavrar aqui o nosso reconhecimento pela consideração em que foram tomados esses pedidos.
Por mais uma vez louvamos o procedimento da digna autoridade que temos à testa deste distrito, que em todos os seus atos tem mostrado uma firme energia e sentimos que não tenha à sua disposição um corpo de polícia bem organizado e disciplinado, porque muito mais teríamos a esperar da sua boa vontade.
Ao digno intendente de pecuária deste distrito, o nosso amigo sr. José Pedro Jesus Carreiro, cabem, no cumprimento dos artigos acima referidos, atribuições de juiz, sem as quais não se podem punir os transgressores.
Não nos resta a menor dúvida acerca da imparcialidade deste cavalheiro; mas receamos que por falta de polícia não se possa cumprir as salutares disposições da lei.
…muito, sem dúvida, o que se tem feito em benefício da civilização, são grandes as ideias de justiça que animam as autoridades, mas, repetimos, sem um corpo de polícia, todos os seus esforços serão aniquilados.
Quando em tempo se falhou na criação duma sociedade protetora dos animais, alguns cavalheiros dos mais conceituados nesta terra, aceitaram com verdadeiro entusiasmo tal ideia, todavia esmoreceram todos por faltar o primeiro elemento – a polícia.
Cremos, que em seguida ao estabelecimento deste corpo, reviverá o projeto da existência da sociedade e que em breve a veremos constituída e auxiliando a polícia na sua cruzada civilizadora.

(Diário de Anúncios, nº 2239, 1 de Agosto de 1892)