quarta-feira, 18 de novembro de 2020

Mariana Belmira de Andrade

Mariana Belmira de Andrade e Alice Moderno A professora primária Mariana Belmira de Andrade foi uma romancista e poetisa que nasceu, em São Jorge, no dia 31 de dezembro de 1844 e faleceu na mesma ilha no dia 17 de fevereiro de 1921. Dotada de uma inteligência excecional, segundo Alice Moderno, Mariana de Andrade foi para aquela escritora “uma distinta mulher de letras, que foi uma das boas mentalidades do arquipélago açoriano, bem privilegiado, aliás, sob o ponto de vista da intelectualidade dos seus habitantes.” Mariana de Andrade, que não frequentou qualquer estabelecimento de ensino secundário ou superior, segundo Alice Moderno “aprendeu quase sozinha a tocar piano e a ler e traduzir a língua francesa”. A sua vasta cultura deve-se também ao convívio com outros intelectuais, como João Caetano de Sousa e Lacerda e com a senhora Delfina Vieira Caldas, que foi perceptora dos filhos do Conselheiro José Pereira Silveira e Cunha. Os seus conhecimentos são devidos também, segundo Ilda Soares de Abreu, às leituras que fez de Vítor Hugo, Michelet, Gomes Leal e Antero de Quental. Mariana Belmira de Andrade casou-se, aos 34 anos, com António Maria da Cunha, não tendo o casamento sido feliz o que levou à separação dos dois logo após o batizado do único filho do casal, Inocêncio, cujo nome foi motivo de discórdia entre os progenitores. Alice Moderno, sobre este assunto, escreveu o seguinte: “Contava a ilustre poetisa que entre os cônjuges se travara acesa discussão, que foi até à pia batismal, tendo sido a contenda finalizada pelo pároco, que acedeu aos desejos do pai, objetando à mãe do neófito que: onde há galo não canta galinha.” Depois da separação, Mariana de Andrade foi para a ilha Terceira, onde obteve o diploma de professora primária, o que lhe permitiu obter os recursos para a sua sobrevivência, bem como a do seu filho. Mariana de Andrade foi autora de muitos poemas, publicados em vários jornais e revistas, entre os quais o jornal “A Folha”, dirigido por Alice Moderno, de que era sua hóspede aquando das suas viagens de e para Lisboa. Panteísta, Mariana de Andrade, depois do romantismo inicial, entusiasmou-se com as ideias republicanas e socialistas, tendo escrito poemas a exaltar o trabalho e os trabalhadores, como se pode constatar através do seguinte extrato de A Sibila: “Levanta-te plebeu! … Tu, aviltado, pobre, Tu és igual ao grande, ao potentado, ao nobre! … Tombam por sobre o nada os absurdos preitos, As velhas tradições, os velhos preconceitos, Onde o século destrói, esmaga n’um sorriso De zombaria e dó … Razão! … luz peregrina! Ó imortal farol que as almas ilumina! Levanta-te, plebeu! Se o nobre tem a espada, Herança dos avós, tu tens a dura enxada, A picareta, o escopro, a serra, o rijo malho! Eis teus troféus de glória, ó filho do trabalho!” Indignada com o regicídio que vitimou D. Carlos e D. Luís Filipe, Mariana Belmira de Andrade abandonou as suas ideias revolucionárias e reconciliou-se com a igreja católica. Sobre a sua desilusão com os republicanos, mal que também atormentou Alice Moderno, esta escreveu o seguinte: “Sonhara a revolução pela evolução e o derramamento de sangue acordou nela a sensibilidade feminina de que fora a primeira a duvidar. Poupou-lhe a morte o desgosto de ver que a Revolução, como Saturno, devorava os próprios filhos!”. Teófilo Braga (Correio dos Açores, 32287, 18 de novembro de 2020, p.14)

segunda-feira, 17 de agosto de 2020

terça-feira, 21 de julho de 2020

O dr. José Pereira Botelho e Alice Moderno





O dr. José Pereira Botelho e Alice Moderno

No texto publicado a semana passada, referi que quando o Dr. José Pereira, ilustre médico natural da Lagoa que viveu em Ponta Delgada, na rua Margarida de Chaves, abandonou a sua atividade pública Alice Moderno dedicou-lhe um poema que reproduzi.

O poema de Alice Moderno não resultou de uma obrigação pelo facto de ela ser colaboradora do Diário dos Açores, pelo contrário foi a manifestação de um reconhecimento pela bondade do Dr. José Pereira Botelho e pela amizade que existia entre eles.

Para o Dr. Botelho, Alice Moderno não era uma mera paciente, era muito mais do que isso, pois era regularmente convidada para os seus aniversários. Segundo ela, o Dr. Botelho que fazia anos a 2 de outubro, celebrava o seu aniversário no segundo domingo daquele mês, através de um bodo aos pobres e um jantar oferecido a familiares e amigos, onde ela estava incluía, fazendo-a sentar-se a seu lado.

A amizade de Alice Moderno pelo Dr. Botelho era tanta que quando ela esteve para casar com o poeta Joaquim de Araújo, aquela, numa carta a este dirigida, escreveu o seguinte:

“Se o fizeres, faz aqui representar pelo Dr. José Pereira Botelho, e crê que ainda que se esquadrinhasse ao meio-dia e com vinte lanternas, se não encontraria aqui um homem mais digno de representar o meu querido Joaquim. Convidarei para meus padrinhos meu pai e minha mãe, isto no caso de casar-me por procuração, porque, no caso contrário o meu padrinho seria o Dr. Botelho.”

Já depois de ter deixado a vida pública, quando Alice Moderno “estava a naufragar no abismo da morte” foi o Dr. Botelho, já com 77 anos de idade, que a salvou.

Para ela, como se pode perceber através do texto abaixo, o Dr. Botelho não era apenas um profissional da medicina:
 “Era um amigo dedicado, que me distraía das minhas dores com a sua conversa admirável e afetuosa. Passou muitas horas à cabeceira do meu leito, e muitas vezes também, ao despertar de um sono repousado que, por um pouco interrompia o meu sofrer atroz, o via sentado junto de mim, olhando-me atento. Triste, às vezes, quando eu me inclinava para a morte, resplandeceu de alegria, quando me via respirar menos aflitamente.”

Por ocasião de um aniversário do Dr. Botelho, “a consciência mais reta, o carácter mais nobre e o melhor coração que eu tenho conhecido”, Alice Moderno enviou-lhe o seguinte soneto:

Eu seio que é sofrer! Por trinta e cinco dias,
No meu leito febril estive agonizante!
A morte estava ali, alegre, triunfante,
Com a luz do prazer nas pálpebras sombrias.

Que dias sem alvor! Que noites doentias!
Diminuía o vigor em cada novo instante!
E a morte, a atroz visão, a tétrica bacante,
Fitando alegremente as minhas agonias!

Mas eu pude, afinal, descer do meu calvário,
A morte sucumbira aos botes do adversário,
Tivera de fugir raivosa, entristecida…

Não posso ir aos seus pés em dia tão ditoso
Mas vai este Soneto- embaixador zeloso
Beijar por mim a mão que me salvou a vida!

O falecimento do Dr. Botelho foi noticiado no próprio dia, 6 de fevereiro de 1896, no Diário dos Açores pela mão, cremos, de Alice Moderno que sobre ele escreveu o seguinte: “Democrata convicto, inteligência lucidíssima, mente abeta aos grandes ideais, coração de ouro, sensível a todos os sofrimentos, a morte do Dr. José Pereira Botelho deixa um vazio impreenchível”.
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 32187, 22 de julho de 2020, p. 16)

terça-feira, 7 de abril de 2020

As feministas e o trabalho

Maria Evelina de Sousa

As feministas e o trabalho

Algumas correntes de esquerda, suponho que minoritárias, criticam os movimentos feministas atuais pelo facto de ignorarem as questões do trabalho, como o facto das mulheres terem ordenados mais baixos do que os homens para a mesma função, serem as principais vítimas dos empregos precários e, por último, não porem em causa o sistema de exploração que domina todo o mundo.

No passado, embora não ignorassem por completo o acesso ao trabalho e as condições deste fora de casa, também me parece que as principais questões levantadas pelas feministas eram, essencialmente, o direito ao voto e o acesso à educação.

Alice Moderno considerava que era importante a mulher ter acesso à educação, que era melhor do que ter um bom dote, para possibilitar ter um bom trabalho e uma vida não dependente de outrem. Segundo Maria da Conceição Vilhena, Alice Moderno defendia o seguinte:

“O papel social da mulher começa em casa, junto da família, onde a mulher burguesa deverá deixar de ser um dispendioso objeto de luxo ou “um cabide de vestidos” que o marido compra”

Maria Evelina de Sousa, a menos conhecida das duas companheiras feministas açorianas, numa carta a Ana de Castro Osório, que então ocupava o cargo de Inspetora dos Trabalhos Femininos de Portugal, publicada, no dia 1 de abril de 1917, no jornal “A Folha”, é clara na importância que dá ao trabalho feminino. Assim, depois de referir a importância de serem criadas “indústrias femininas” pelo contributo que poderiam dar “para a economia política do país”, acrescenta o seguinte:

“Não só compreendo a vantagem material que semelhantes indústrias nos proporcionariam, mas também avalio o simpático papel que desempenhariam, no campo moral porque, habituando a mulher a bastar-se a si própria, vivendo dos recursos do seu trabalho honesto, dignificavam-se, fazendo com que desprezasse o servil estado de alimentada do marido, do pai, do irmão ou, na falta deste, do amante”.
E por isso a criação de indústrias femininas seria o melhor, o mais eficaz e enérgico de todos os expedientes para fazer desaparecer a cancerosa pústula da prostituição, vergonha social, que enxovalha as famílias e corrompe as sociedades, desde os mais remotos tempos.”

Maria Evelina de Sousa, na carta referida, também, recordou que dedicou ao assunto da criação de indústrias femininas alguns textos na sua Revista Pedagógica, nomeadamente aquando da criação, em Ponta Delgada, da efémera Escola de Rendas de Bilros e voltou a referir a importância da criação em São Miguel de indústrias de rendas e bordados que poderiam ser exportados para o Novo Mundo.

Ana de Castro Osório, que foi jornalista, escritora, pedagoga, feminista e ativista republicana, por sua vez, no jornal “Açoriano Oriental, de 22 de setembro de 1917, num artigo intitulado “Respeito pelo trabalho”, aborda a questão do trabalho da mulher, denunciando que em Portugal o valo pago pelo trabalho feminino é uma coisa ridícula, para não dizer uma coisa odiosa”.

No seu texto Ana de Castro Osório denuncia que o que é pago pelo trabalho da mulher não é suficiente para ela “viver honestamente do seu próprio labor” e acrescenta que a mulher recebe um terço ou menos do que seria pago a um homem.

Termino este texto, ainda com um excerto do artigo de Ana de Castro Osório, muito elucidativo do pensamento de então (e de hoje?):

“Já dissemos a falta de respeito pelo trabalho da mulher, que esse é matéria corrente numa sociedade em que de alto a baixo das classes sociais os homens olham as suas companheiras como umas bonecas fabricadas pelo bom Deus providencial para o seu único proveito e divertimento…”

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 32101, 8 de abril de 2020, p.14)

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020


Há 74 anos, a 20 de fevereiro de 1949 faleceu Alice Moderno.
Recordamos a data divulgando um texto publicado no jornal Vida Nova, de 10 de agosto de 1909.

TB

quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

Teresa Franco e a Revista Pedagógica de Maria Evelina de Sousa


Teresa Franco e a Revista Pedagógica de Maria Evelina de Sousa


Através de um Professor Adjunto de Literatura Portuguesa da Universidade de Estado do Rio de Janeiro, que me contatou a pedir informações sobre a escritora feminista da Covilhã Teresa Franco, fiquei a saber que tanto esta como a micaelense Maria Evelina de Sousa possuíram colunas fixas no jornal dos imigrantes portugueses, o Portugal Moderno, no início do século XX. Da correspondência trocada, também, fiquei a saber que no referido jornal brasileiro colaborou Alice Moderno.

Teresa Franco colaborou com as principais organizações feministas portuguesas, como a Liga Republicana das Mulheres Portuguesas, a Associação de Propaganda Feminista e o Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas, tendo escrito para as suas publicações periódicas.

No que diz respeito aos Açores, Teresa Franco colaborou com Maria Evelina de Sousa, através da escrita de pequenos textos para as secções “Notas feministas” e “Notas de uma feminista”, sobre o feminismo internacional que manteve, entre 1911 e 1914, na Revista Pedagógica.

A título de exemplo, apresenta-se a seguir alguns dos temas abordados por Teresa Franco na referida revista.

Na Revista Pedagógica, publicada a 7 de dezembro de 1911, Teresa Franco dá a conhecer as palavras de Lorde Lytton sobre o sufrágio feminino o qual é “falsamente interpretado” como “uma tentativa feminina para usurpar os direitos do homem arrebatando-lhe os poderes políticos”. O texto termina assim: “Se entre as nesta luta empenhadas um sentimento de hostilidade contra o sexo masculino existe, tem por alvo simplesmente o falso ideal da mulher, a falsa conceção do seu lugar na sociedade e no Estado, que outrora prevaleceu na maioria dos homens e ainda nalguns subsiste.”

A 14 de março de 1912, Teresa Franco dá a conhecer o modo brutal como as sufragistas inglesas são tratadas quando para chamar a atenção para a sua causa interrompendo “os ministros que supõem contrário às suas ideias por ocasião dos “meetings””. Segundo ela “num comício em Glocester uma senhora foi arrastada e quiseram atirar com ela de uma escada abaixo. Magoaram outra com pontapés, sem mais cerimónia…”.

Na mesma nota, Teresa Franco dá a conhecer um extrato do discurso do rei da Suécia, com ideias muito avançadas para o seu tempo, que abaixo se transcreve:

“Às mulheres em questão de vital importância faltam os principais direitos cívicos. Não somente por equidade, mas atendendo aos verdadeiros interesses do Estado, semelhante estado de cousas requer alteração. Tenciono, portanto, no decurso da próxima época, submeter à vossa apreciação algumas alterações dos regulamentos parlamentares que tornem as mulheres eleitoras e elegíveis, nas mesmas condições dos homens”.

Na Revista Pedagógica nº 261, de 29 de maio de 1913, Teresa Franco dá a conhecer várias iniciativas tomadas em diversos locais do planeta. Assim.

1- No Japão um decreto do imperador autoriza, pela primeira vez, a imperatriz a sair ao seu lado nas carruagens.
2- Nos E.U.A., uma nova Joana d’Arc, Virgínia Brooks, “organizou uma cruzada feminina contra os antros do vício da cidade gigante, pondo em foco a corrupção que ali reina, devido à cumplicidade de empregados dos infiéis”.
3- Em Londres, foi inaugurada uma pensão para a classe trabalhadora feminina que a preços reduzidos pode ter acesso a quarto, banho e refeições. Podem beneficiar da mesma “operárias das fábricas, costureiras, empregadas de escritórios, etc., que não tenham família”.

Teresa Franco, tal como outras mulheres e homens do seu tempo, também se preocupou com o consumo de tabaco e com o alcoolismo. Assim, em 1912, participou numa campanha para exigir a proibição da venda de tabaco e de bebidas alcoólicas a menores.

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 32042, 30 de janeiro de 2020, p.17)