Sociedade
Micaelense Protetora dos Animais
Começou
esta benemérita sociedade os seus trabalhos, que, muito embora ingratos e
árduos, devem vir a ser coroados do melhor êxito.
Não
carece de ser defendida a legitimidade da sua existência, e devem estar na
mente de todos as causas determinantes da sua criação.
A
brutalidade, inata nas mais baixas classes sociais, com raras e muito honrosas
exceções, leva-as a considerarem os animais unicamente como produtores de um
salário com que os donos se vão locupletando, dando-lhes o alimento
indispensável à conservação da sua miserável existência, obrigando-os a
trabalhar, quando estão doentes e martirizando-os com mais bárbaros castigos,
quando por absoluta impossibilidade física, se recusam a deslocar os fardos, em
toda a hipótese superiores às suas forças, que entendem deverem transportar.
Dado
este estado de coisas, cumpria ao bom nome da sociedade micaelense, tão
propícia, como as que mais o são, à prática do bem, por cobro a que se continuassem
a por em prática os abusos que vimos
apontando e que, infelizmente, se iam dando, em cenas pouco edificantes,
desenroladas em plena rua.
A
infância abandonada e desvalidada tem direito à proteção, e possui, nesta
cidade, em belo edifício próprio, um asilo, onde crianças do sexo feminino
recebem o pão do corpo e do espírito.
Para
os indivíduos do sexo masculino, e identidade de circunstâncias, instituiu um
benemérito, João Francisco Cabral, um internato.
Os
vencidos da sorte, na época em que os achaques da velhice os inutilizam para o
trabalho, encontram também, no Asilo de Mendicidade, o teto que os abriga e a
alimentação que os supre.
Para
os forasteiros e jornaleiros, que não se veem ainda absolutamente inutilizados,
ou, mesmo, não podem, pelo seu feitio, coadunar-se com o internato, foram
criados o Albergue Noturno e a Cozinha
Económica, instituições em que a generosidade da alma feminina esplende com os
seus mais nítidos fulgores.
Para
aqueles que adoecem, e não podem, ou mesmo não querem tratar-se em suas casas,
existe o Hospital de Ponta Delgada, que, tanto pelos seus recursos pecuniários,
instituídos por opulentos legados de generosos benfeitores, coo pelas suas
excelentes instalações cirúrgica e radiográfica, e pelos seus corpos médicos e de
enfermagem, pode ser considerado como um dos primeiros do país.
Os
animais, porém, nossos irmãos inferiores, segundo a frase tocante do admirável
santo que foi São Francisco de Assis, esses, não tinham ainda almas que
compartilhassem das suas dores, nem vozes que se levantassem na defesa dos seus
direitos.
Felizmente,
um grupo de indivíduos bem-intencionados resolveu consagrar alguns dos seus
escassos ócios em prol dos infelizes abandonados, e, de ora em diante, como
início desta generosa cruzada, serão reprimidas e castigadas cenas de
brutalidade de que eram teatro as nossas ruas, e muitas vezes mereceram a mais
acerba censura dos forasteiros que nos visitavam.
Por
este passo dado na estrada da civilização, de que é fator importantíssimo a
piedade para com os que sofrem, felicitamos cordialmente as pessoas que, com
prejuízo dos seus interesses próprios, ou ainda inutilizando as poucas horas de
descanso que usufruem, fundaram a Sociedade Micaelense Protetora dos Animais, e
a têm levado sem esmorecimentos nem impaciências – característico de tíbios e
nevróticos – ao ponto em que hoje se encontra, de começar o seu funcionamento,
que certamente chamará para ela a atenção do público, que bem merece, e sem a
proteção do qual não conseguirá manter-se.
(A
Folha, 24 de Novembro de 1912)
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