Foram
aprovados, por alvará do sr. Governador Civil do distrito, os estatutos da
Sociedade Micaelense Protetora dos Animais, a qual vai começar em exercício, na
posse do diploma que a autoriza a funcionar legalmente.
Aos
sócios, seus fundadores, não passam despercebidas as dificuldades que vão
encontrar, a relutância sistemática, a má vontade, a brutalidade congénita
hereditária, atávica, das massas incultas da sociedade micaelense. Será pois,
para os sócios fundadores, o estabelecimento da sociedade, um verdadeiro
martirológio, em que vão enveredar benemeritamente.
Mas
a verdade é que não podíamos, sem menosprezo para nós mesmos, continuar a
permanecer no indiferentismo comodíssimo de quem presencia cenas de uma
revoltante iniquidade, e, encolhendo os ombros, prossegue no seu caminho, a
tratar dos seus negócios ou a fazer o “chylo”, depois de um confortável jantar.
É
necessário que tomemos a parte dos nossos irmãos inferiores, segundo a eloquentíssima
frase de S. Francisco de Assis!
Todos
os dias se encontram carroças demasiadamente carregadas, sendo manifesto o
esforço dos animais de tiro que as deslocam!
Todos
os dias se veem indivíduos na força da vida, na pujança da saúde, em carroças
pesadíssimas de madeira, puxados por animais das raças caprina e lanígera!
Todos
os dias nos confrontamos com veículos destinados ao transporte de passageiros,
custosamente arrastados por animais esqueléticos, reconhecidamente tuberculosos
e, ainda por cima, cheios de chagas e equimoses!
A
maior parte dos muares que puxam carroças são cegos de um olho, visto que os
condutores, muito propositadamente, os espicaçam nessa parte sensibilíssima do
corpo, com uma selvajaria que está mesmo a pedir o mais severo dos corretivos!
Em
todas as horas do dia, topamos carroças debaixo das quais vem amarrado um cão,
que tem fatalmente de acompanhar oi passo do animal incomparavelmente maior do
que ele, que transporta o veículo, sob pena de morrer estrangulado, ou de ser
feito em pedaços de encontro às pedras de calçada, com a circunstância
agravante de não poder parar, se
porventura necessitar fazê-lo, nem saciar a sede nas fontes públicas, cujas
águas cristalinas devem consubstanciar para o infeliz quadrúpede o martírio de
Tantalo!
Frequentemente
vemos nas nossas estradas, e até nas nossas ruas, mortalmente feridos ou
irremediavelmente estropiados, indivíduos da espécie canina, atropelados por
automóveis, em doida correria!
Há
semanas, não era raro verem-se, nas ruas da baixa, cães envenenados, de olhos
vidrados, nas convulsões da agonia, em consequência de lhes haverem sido
propinadas pilulas de estricnina!
Na
linda estrada nova que nos leva de Ponta Delgada à Ribeira Grande, à esquerda,
existe uma cova, de muitos metros de altura, de onde são despenhados pelos
donos todos os animais velhos, cansados de os servir, ou ainda aqueles de quem
se pretendem desfazer, por antipatia muitas vezes injustificada!
É
contra estes e outros atos da mais completa crueldade que nos cumpre protestar
com toda a sinceridade das nossas convicções, com toda a comiseração que em
nossos peitos cabe!
Pobres
animais! Tão dedicados aos donos e à defesa da sua propriedade, tão pouco
exigentes quanto à remuneração dos serviços que prestam, tão reconhecidos aos
favores e bons tratos que recebem!
Acudir-lhes,
na sua cruciante desdita, e levar aos cérebros apoucados que os brutalizam uns
feixes de luz e caridade, eis a missão árdua mas nobilíssima a que se propõe a
Sociedade Micaelense Protetora de Animais.
Bem
haja, pois, e bem hajam aqueles que tomaram a generosa iniciativa de a fundar,
não se poupando a esforços para o seu conseguimento!
(A
Folha, nº 463, 24 de Setembro de 1911)
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