terça-feira, 21 de agosto de 2012

Proteção aos animais



Foram aprovados, por alvará do sr. Governador Civil do distrito, os estatutos da Sociedade Micaelense Protetora dos Animais, a qual vai começar em exercício, na posse do diploma que a autoriza a funcionar legalmente.
Aos sócios, seus fundadores, não passam despercebidas as dificuldades que vão encontrar, a relutância sistemática, a má vontade, a brutalidade congénita hereditária, atávica, das massas incultas da sociedade micaelense. Será pois, para os sócios fundadores, o estabelecimento da sociedade, um verdadeiro martirológio, em que vão enveredar benemeritamente.
Mas a verdade é que não podíamos, sem menosprezo para nós mesmos, continuar a permanecer no indiferentismo comodíssimo de quem presencia cenas de uma revoltante iniquidade, e, encolhendo os ombros, prossegue no seu caminho, a tratar dos seus negócios ou a fazer o “chylo”, depois de um confortável jantar.
É necessário que tomemos a parte dos nossos irmãos inferiores, segundo a eloquentíssima frase de S. Francisco de Assis!
Todos os dias se encontram carroças demasiadamente carregadas, sendo manifesto o esforço dos animais de tiro que as deslocam!
Todos os dias se veem indivíduos na força da vida, na pujança da saúde, em carroças pesadíssimas de madeira, puxados por animais das raças caprina e lanígera!
Todos os dias nos confrontamos com veículos destinados ao transporte de passageiros, custosamente arrastados por animais esqueléticos, reconhecidamente tuberculosos e, ainda por cima, cheios de chagas e equimoses!
A maior parte dos muares que puxam carroças são cegos de um olho, visto que os condutores, muito propositadamente, os espicaçam nessa parte sensibilíssima do corpo, com uma selvajaria que está mesmo a pedir o mais severo dos corretivos!
Em todas as horas do dia, topamos carroças debaixo das quais vem amarrado um cão, que tem fatalmente de acompanhar oi passo do animal incomparavelmente maior do que ele, que transporta o veículo, sob pena de morrer estrangulado, ou de ser feito em pedaços de encontro às pedras de calçada, com a circunstância agravante de não poder parar, se  porventura necessitar fazê-lo, nem saciar a sede nas fontes públicas, cujas águas cristalinas devem consubstanciar para o infeliz quadrúpede o martírio de Tantalo!
Frequentemente vemos nas nossas estradas, e até nas nossas ruas, mortalmente feridos ou irremediavelmente estropiados, indivíduos da espécie canina, atropelados por automóveis, em doida correria!
Há semanas, não era raro verem-se, nas ruas da baixa, cães envenenados, de olhos vidrados, nas convulsões da agonia, em consequência de lhes haverem sido propinadas pilulas de estricnina!
Na linda estrada nova que nos leva de Ponta Delgada à Ribeira Grande, à esquerda, existe uma cova, de muitos metros de altura, de onde são despenhados pelos donos todos os animais velhos, cansados de os servir, ou ainda aqueles de quem se pretendem desfazer, por antipatia muitas vezes injustificada!
É contra estes e outros atos da mais completa crueldade que nos cumpre protestar com toda a sinceridade das nossas convicções, com toda a comiseração que em nossos peitos cabe!
Pobres animais! Tão dedicados aos donos e à defesa da sua propriedade, tão pouco exigentes quanto à remuneração dos serviços que prestam, tão reconhecidos aos favores e bons tratos que recebem!
Acudir-lhes, na sua cruciante desdita, e levar aos cérebros apoucados que os brutalizam uns feixes de luz e caridade, eis a missão árdua mas nobilíssima a que se propõe a Sociedade Micaelense Protetora de Animais.
Bem haja, pois, e bem hajam aqueles que tomaram a generosa iniciativa de a fundar, não se poupando a esforços para o seu conseguimento!
(A Folha, nº 463, 24 de Setembro de 1911)

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