Muito
embora em vários assuntos que nessa ocasião discutimos nos encontremos de
perfeito acordo, não abordo o tema perigosíssimo das touradas, nem lhes
comunico o que me vai na alma …
De
resto, a tourada decorreu como todas as que tenho assistido. Houve ferros bem
metidos, e ruidosamente festejados, e após a saída de cada novilho, a quadrilha
percorreu a arena, sendo-lhe arremessados dinheiro, flores, cigarros e
rebuçados, que os toureirinhos levantavam, agradecendo com garbo peculiar da
sua raça.
A
única nota discordante é a de um tourinho muito levado da breca, que, logo ao
entrar no circo, parece dar cabo de tudo.
Os
toureiros, prudentemente, depois de alguns simulacros de desafio, ocultam-se
atrás dos esconderijos, sendo
conduzidos à arena as doceis vacas pacificadoras, destinadas a induzir o touro
a recolher-se ao curral.
Este,
porém, ébrio de fúria, e sacudindo belicamente as pontas que se desembolaram,
fere com certa profundidade, no peito, uma das companheiras, correndo o sangue
em grossos jorros.
Foi
a simpática rês a única vítima daquela diversão, tão apreciada pelos nossos
vizinhos de oeste. Não é preciso dizer que não saí do circo sem ir inquirir da
saúde da pobre sacrificada, encontrando-a muito ferida, sim, mas já pensada, e
sofrendo a sua má sorte com uma coragem estoica, o que é, aliás, muito mais
vulgar nos irracionais do que na nossa espécie.
E
divido com o nobre animal, tão estupidamente ferido, parte da muita simpatia
que sagrara ao cavalinho esquelético, daquela quase inofensiva tourada.
(in
Cartas das Ilhas, XX, A Folha, nº 487, 10 de Março de 1912)
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