Vimos
hoje tratar de um assunto que tem muito mais importância do que à primeira
vista parece.
Trata-se
da velocidade com que os automóveis atravessam as nossas ruas, dificultando o
trânsito das mesmas, estropiando inofensivos animais domésticos e constituindo
um perigo para a vida e para a integridade física do cidadão.
O
assunto tão momentoso é que já foi tratado na câmara dos srs. deputados, sessão
de 9 do corrente, em que o deputado sr. Carlos Calixto se ocupou da excessiva
velocidade dos automóveis em Lisboa, o que não é só culpa da polícia, mas
também, e principalmente, dos regulamentos, que permitem 20 quilómetros à hora nas
povoações, ao passo que, em geral, não se pode exceder, no estrangeiro, 15
quilómetros.
Não
se deveria permitir andamento superior ao de um cavalo a trote; mas, na
Junqueira, e nas avenidas novas, os automóveis atingem 60 quilómetros à hora!
O
sr. Alberto Silveira acha toda a razão em tais considerações e refere que o
regulamento está de tal forma que não há meio de pagar multa, contando o facto
curioso de certo cavalheiro querer pagar uma multa e não ser possível fazê-lo!
Acrescenta
que até os próprios estrangeiros, assombrados com a velocidade dos nossos
automóveis dentro da cidade, se arreceiam de nelas tomar lugar.
O
sr. Carlos Calixto, continuando, insiste em pedir providências pelos
ministérios do interior e do fomento, e refere ainda que está informado não
terem, em geral, os automóveis de praça os dois travões regulamentares, pois
não são munidos de alavanca. Assim fazem os “chauffeurs” para evitar o estrago
dos protetores; mas isso representa um grave perigo.
O
sr. Ministro do interior toma na melhor conta estas considerações que, por via
do sr. Governador civil, já lhe haviam chegado ao conhecimento e, de acordo com
o seu
colega
do fomento, se ocupará de tão importante assunto.
Nesta
ilha, emque os automóveis abundam, convém não descurarmos também tão momentosa
questão, fazendo cumprir o regulamento existente, e castigando severamente os
delinquentes, havendo ainda a acrescentar, como circunstância agravante, o
facto da vertiginosa correria dos automóveis não ser devida ao desejo de
aproveitar o tempo, sendo em geral as pessoas que menos trabalham as que mais
depressa caminham, por luxo de épater
o indígena, ou ainda para mostrar a sua perícia como chauffeurs.
À polícia e à Sociedade Protetora de Animais
está naturalmente indicado a correção destes abusos, que ninguém, dotado de bom
senso e imparcialidade, poderá deixar de condenar.
Aos
membros, pois, da útil corporação e aos beneméritos sócios da segunda,
recomendamos este assunto.
҉
Depois
de composto este artigo, contou-nos um cavalheiro da nossa amizade que na
última quinta-feira, no Pópulo, um automóvel passou sobre um cão, deixando-o em
lastimável estado, no meio da estrada, acudindo em volta do animal o rapazio do
lugar, que começou a apedrejá-lo, congratulando-se com os gemidos lamentáveis
do desgraçado quadrúpede.
Este
repugantíssimo espetáculo, só próprio da Cafraria, teria sido evitado se se
impusesse aos donos de automóveis que atropelam um animal, - sob pena de
policia correcional – o transportá-lo imediatamente à esquadra de polícia
cívica, que tomaria conta dele, chamando um veterinário que o tratasse, ou o
matasse o menos dolorosamente possível em caso de incurabilidade.
Como
está entre mãos do digno comissário de polícia, sr. Dr. António Franco, o
Regulamento Policial relativo à proteção devida aos animais, chamamos a atenção
deste funcionário para o facto que narrámos e foi presenciado por pessoas
dignas de crédito.
Independentemente
do sofrimento do infeliz quadrúpede, ante o qual ninguém deixará de se comover,
temos ainda a considerar o facto pelo lado educativo.
Que
há, com efeito, a esperar, sob o ponto de vista da moral e do sentimento, de
cidadãos que, na infância, ao ver um animal contorcer-se, com os membros
fraturados, se lembram de lhe suavizar o sofrimento…apedrejando-o? !!!
E que ideia ficarão fazendo da índole deste
povo os estrangeiros, naturais de países onde a proteção ao fraco constitui uma
das bases da educação cívica e doméstica, que presenciarem cenas como esta?
Sabemos
que na rápida fatura do Regulamento está interessado o ilustre chefe do
distrito, e confiamos da poderosa intervenção de s. Ex.ª a absoluta cessação de
tão deprimentes espetáculos, o que bastaria para tornar beneficamente profícua
para este distrito a administração tão zelosa quanto competente da sua primeira
autoridade.
(A
Folha, nº 551, 22 de Junho de 1913)
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