sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Assunto Urgente



Vimos hoje tratar de um assunto que tem muito mais importância do que à primeira vista parece.
Trata-se da velocidade com que os automóveis atravessam as nossas ruas, dificultando o trânsito das mesmas, estropiando inofensivos animais domésticos e constituindo um perigo para a vida e para a integridade física do cidadão.
O assunto tão momentoso é que já foi tratado na câmara dos srs. deputados, sessão de 9 do corrente, em que o deputado sr. Carlos Calixto se ocupou da excessiva velocidade dos automóveis em Lisboa, o que não é só culpa da polícia, mas também, e principalmente, dos regulamentos, que permitem 20 quilómetros à hora nas povoações, ao passo que, em geral, não se pode exceder, no estrangeiro, 15 quilómetros.
Não se deveria permitir andamento superior ao de um cavalo a trote; mas, na Junqueira, e nas avenidas novas, os automóveis atingem 60 quilómetros à hora!
O sr. Alberto Silveira acha toda a razão em tais considerações e refere que o regulamento está de tal forma que não há meio de pagar multa, contando o facto curioso de certo cavalheiro querer pagar uma multa e não ser possível fazê-lo!
Acrescenta que até os próprios estrangeiros, assombrados com a velocidade dos nossos automóveis dentro da cidade, se arreceiam de nelas tomar lugar.
O sr. Carlos Calixto, continuando, insiste em pedir providências pelos ministérios do interior e do fomento, e refere ainda que está informado não terem, em geral, os automóveis de praça os dois travões regulamentares, pois não são munidos de alavanca. Assim fazem os “chauffeurs” para evitar o estrago dos protetores; mas isso representa um grave perigo.
O sr. Ministro do interior toma na melhor conta estas considerações que, por via do sr. Governador civil, já lhe haviam chegado ao conhecimento e, de acordo com o seu
colega do fomento, se ocupará de tão importante assunto.
Nesta ilha, emque os automóveis abundam, convém não descurarmos também tão momentosa questão, fazendo cumprir o regulamento existente, e castigando severamente os delinquentes, havendo ainda a acrescentar, como circunstância agravante, o facto da vertiginosa correria dos automóveis não ser devida ao desejo de aproveitar o tempo, sendo em geral as pessoas que menos trabalham as que mais depressa caminham, por luxo de épater o indígena, ou ainda para mostrar a sua perícia como chauffeurs.
  À polícia e à Sociedade Protetora de Animais está naturalmente indicado a correção destes abusos, que ninguém, dotado de bom senso e imparcialidade, poderá deixar de condenar.
Aos membros, pois, da útil corporação e aos beneméritos sócios da segunda, recomendamos este assunto.
҉
Depois de composto este artigo, contou-nos um cavalheiro da nossa amizade que na última quinta-feira, no Pópulo, um automóvel passou sobre um cão, deixando-o em lastimável estado, no meio da estrada, acudindo em volta do animal o rapazio do lugar, que começou a apedrejá-lo, congratulando-se com os gemidos lamentáveis do desgraçado quadrúpede.
Este repugantíssimo espetáculo, só próprio da Cafraria, teria sido evitado se se impusesse aos donos de automóveis que atropelam um animal, - sob pena de policia correcional – o transportá-lo imediatamente à esquadra de polícia cívica, que tomaria conta dele, chamando um veterinário que o tratasse, ou o matasse o menos dolorosamente possível em caso de incurabilidade.
Como está entre mãos do digno comissário de polícia, sr. Dr. António Franco, o Regulamento Policial relativo à proteção devida aos animais, chamamos a atenção deste funcionário para o facto que narrámos e foi presenciado por pessoas dignas de crédito.
Independentemente do sofrimento do infeliz quadrúpede, ante o qual ninguém deixará de se comover, temos ainda a considerar o facto pelo lado educativo.
Que há, com efeito, a esperar, sob o ponto de vista da moral e do sentimento, de cidadãos que, na infância, ao ver um animal contorcer-se, com os membros fraturados, se lembram de lhe suavizar o sofrimento…apedrejando-o? !!!
 E que ideia ficarão fazendo da índole deste povo os estrangeiros, naturais de países onde a proteção ao fraco constitui uma das bases da educação cívica e doméstica, que presenciarem cenas como esta?
Sabemos que na rápida fatura do Regulamento está interessado o ilustre chefe do distrito, e confiamos da poderosa intervenção de s. Ex.ª a absoluta cessação de tão deprimentes espetáculos, o que bastaria para tornar beneficamente profícua para este distrito a administração tão zelosa quanto competente da sua primeira autoridade.
(A Folha, nº 551, 22 de Junho de 1913)

Sem comentários:

Enviar um comentário