sexta-feira, 21 de dezembro de 2012
PELOS ANIMAIS
A imprensa local mercê de alguns espíritos generosos, recomeça a sua campanha a favor dos pobres animais, que nenhuma lei protege, e se encontram à mercê de todas as brutalidades, vitimas imbeles de um destino atroz.
Não há muito tempo noticiava o Diário dos Açores que ao animal encarregado do tiro de uma carroça de beterraba sacarina para a fábrica de Santa Clara esvaziara o condutor um olho, e, todavia, ninguém tratou de apurar o número da carroça, a fim de que o bárbaro carroceiro recebesse a recompensa do seu humanitário feito.
A brandura dos nossos costumes reverte nisto: a mais completa crueldade para com aqueles que na frase de um escritor francês nenhuma lei protege…
Para a humanidade desamparada criaram-se os asilos de infância desvalida e mendicidade, há as creches, os albergues noturnos, as cozinhas económicas, os subsídios concelhios e distritais, muitas vezes concedidos sem discernimento e por favoritismo, a esmola, aos sábados, a assistência nacional, etc. etc.
Para os animais, tão bons amigos e tão úteis auxiliares do homem, nada existe, além de umas posturas camarárias que não se cumprem, genericamente falando, além da Sociedade Protetora dos Animais, criada pela imprensa, e que, por falta de um zelador a quem se pague, e de um posto veterinário, pouco pode conseguir além da propaganda, que não tem descurado e constantemente apregoa.
Em São Miguel, terra onde abençoadamente floresce a Caridade, não pode nem podia deixar de existir a Sociedade Protetora dos Animais, que conta bastantes sócios, e à qual o benemérito titular, sr. Marquez de Jácome Correiam, concedeu o subsídio de 100 escudos anuais.
Mas esses recursos materiais não têm sido suficientes para que se pudesse estabelecer um posto veterinário com médico e servente, e menos ainda um hangar, onde os animais doentes recebessem socorros médicos, enfermagem e alimentação.
Daí a crónica trágica do Caldeirão, para onde são atirados os animais considerados inúteis, e ainda o bárbaro e indecoroso espetáculo que dia a dia presenciamos, de animais abandonados na via pública pelos seus descaroáveis donos!
Ora este estado de coisas não pode continuar assim, sob pena de perdermos foros de civilizados. É necessário que de entre tantos que podem dispor do seu tempo não totalmente absorvido pela luta pela vida, alguém que tome a peito a generosíssima cruzada e desça a defender aqueles que nenhuma lei protege contra as brutalidades da ignorância e as alucinações do álcool.
Estabeleça-se um pequeno ordenado a um indivíduo dedicado à causa dos animais e cujo mister consistirá em receber queixas, fornecer esclarecimentos, e zelar o cumprimento das posturas municipais, devendo permanecer na sede em determinadas horas do dia, e tomar nota dos donativos, e da fiscalização a exercer sobre os agentes da autoridade que, segundo se vê, não estão para se ralar, tal é a abundância de animais de tiro chagados, ou zarolhos, e ainda de aves suspensas pelas pernas, que se encontram diariamente nas primeiras horas do dia, nos sítios mais frequentados de Ponta Delgada.
Pela nossa parte não temos descurado o assunto, tendo mesmo frequentemente ligado a prática à teoria nesta cruzada em prol dos nossos irmãos inferiores.
Como, porém, uma boa vontade isolada nada pode fazer, apelamos para o auxílio de todas as pessoas de coração, a quem certamente terá muitas vezes pungido o lamentável espetáculo exibido nas tuas de Ponta Delgada pelos infelizes seres que vimos defendendo, pessoas estas que convidamos a alistar-se nesta cruzada que, sendo de todas a mais desinteressada, é por isso mesmo a mais generosa.
A.M.
(A Folha, nº 668, 5 de Dezembro de 1916)
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