quarta-feira, 6 de julho de 2016

ALICE MODERNO E A EDUCAÇÃO - 2


ALICE MODERNO E A EDUCAÇÃO - 2

Na semana passada escrevemos sobre a atividade docente de Alice Moderno, neste texto fazemos referência a aspetos do seu pensamento sobre as questões do ensino e da educação.

Sobre a temática do ensino propriamente dito, Alice Moderno escreveu vários textos onde teve a oportunidade de expor as suas ideias.

De entre eles, destacamos “Palavras de um “toast”, escrito em Angra do Heroísmo, a 22 de outubro de 1911, dedicado aos professores primários (hoje professores do 1º ciclo do ensino básico).

No seu texto, Alice Moderno saúda os professores primários, dizendo que eles são “os funcionários mártires da instrução” e acrescenta, citando Renan “que o futuro intelectual do indivíduo depende principalmente de quem lhe ensina a ler” e termina afirmando que “a leitura, inteligentemente assimilada em tenros anos, pode fazer sábios, como a rotina sabe fabricar cretinos”. Alice Moderno conclui o seu curto texto, saudando “entusiasticamente os membros conscientes, independentes e dignos da classe à qual o estado menos paga e da qual mais exige…”

Outro texto que merece referência foi o publicado, a 9 de dezembro de 1909, na Revista Pedagógica, intitulado “Médicos Escolares”, onde Alice Moderno solidariza-se com a opinião de Maria Evelina de Sousa que numa reunião realizada em Ponta Delgada defendeu a necessidade de médicos escolares visitarem as escolas quinzenalmente a fim de verificar se aquelas se encontravam em boas condições de higiene “e se as crianças que as frequentavam estão em boas condições que lhes permitam matricular-se num estabelecimento de instrução, a que concorrem muitas outras que têm direito a não serem contaminadas pela doença alheia”.

Alice Moderno não apenas opinou sobre o que se passava nos Açores. Com efeito, também reagiu ao fuzilamento de Francisco Ferrer i Guàrdia.

Francisco Ferrer i Guàrdia (1859-1909) foi um pedagogo catalão que criou a Escola Moderna que funcionava tendo por base uma pedagogia libertária. As ideias anarquistas de Ferrer, sobretudo após a sua morte, influenciaram a abertura de outras escolas em diversos países, como a Voz do Operário, em Lisboa, e serviram de inspiração a diversos pedagogos, como o brasileiro Paulo Freire.
Ferrer foi condenado à morte e fuzilado, a 13 de Outubro de 1909, por ter sido, injustamente, acusado de ser o instigador da revolta popular da Semana Trágica, em Barcelona.
Em todo o mundo foram inúmeras as reações à sua morte. Na ilha de São Miguel, surgiram artigos a condenar o seu fuzilamento, nos jornais “Vida Nova”, “A Folha” e “O Repórter”.
A Revista Pedagógica, editada pela professora Maria Evelina de Sousa, de que Alice Moderno foi colaboradora, não só condenou o assassinato de Francisco Ferrer como divulgou as suas ideias em pelo menos quatro números.
Num texto não assinado publicado no Jornal A Folha nº 366, de 24 de Outubro de 1909, a dada altura o autor ou autora, que acreditamos ser Alice Moderno, escreveu o seguinte:
“Ferrer foi um brasseur d’idées, foi um desses indivíduos excecionais que, nesta época de egoísmo, em que se entrechocam os mais sórdidos e desmedidos interesses pessoais, sacrificou toda a sua fortuna particular, toda a segurança individual, toda a sua tranquilidade espiritual, por uma ideia - combatendo por ela até ao ponto de ver correr, pelos furos das balas reais, o seu sangue generoso”.
Embora possa parecer estranho o facto das republicanas Alice Moderno e Maria Evelina de Sousa virem a público defender um pedagogo anarquista, tal não foge ao que acontecia a nível nacional onde, segundo António Candeias, nos centros culturais republicanos eram discutidos pensadores de várias filiações ideológicas como Ferrer, Vítor Hugo, Proudhon, Garibaldi, Antero de Quental, Zola e Réclus.


Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 30977, 6 de julho de 2016, p.18)

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