Alice Moderno e a ALRA
Muito pouco se tem escrito sobre Alice
Moderno e quando se escreve, algumas vezes esconde-se partes da sua vida e
obra, outras vezes repetem-se falsas informações sem ter o cuidado de ir às
fontes primárias ou mesmo ir além das simples pesquisas na internet.
Não sei que fonte ou fontes consultou a
ALRA- Assembleia Legislativa Regional dos Açores para elaborar a nota
biográfica de Alice Moderno (http://base.alra.pt:82/Doc_Noticias/NI6520.pdf),
mas tenho, num caso, muitas dúvidas acerca do rigor de algumas das afirmações e,
no outro, tenho a certeza de que se trata de um engano ou erro, espero que não
voluntário.
Vejamos a primeira afirmação: “Republicana,
depois de 1910, com a implantação da República Portuguesa, passou a participar
ativamente na vida social e política de Ponta Delgada, designadamente na
campanha a favor da aprovação da lei do divórcio.”
Escrever que Alice Moderno passou a
tomar parte na vida social apenas depois de 1910 é ignorar que desde que
começou a sua “vida literária”, em 1883, até à implantação da República, a
“mulher piorneira” publicou “Aspirações”, “O Dr. Sandoval”, “Os mártires do
Amor”, “No Adro”, “Açores: Pessoas e Coisas”, “Os Mártires” e “Mater Dolorosa”.
É, também, passar uma esponja sobre a sua atividade jornalística, como
fundadora do jornal “Recreio das Salas”, colabora ativa do “Diário de Anúncios”
e fundadora do jornal “A Folha”.
Tanto quanto é do meu conhecimento, o
divórcio foi legalizado em Portugal através de um decreto publicado a 3 de
Novembro de 1910, portanto menos de um mês após a implantação da República,
pelo que tenho muitas dúvidas acerca da ocorrência de uma campanha realizada
entre 5 de Outubro de 1910 e 3 de Novembro do mesmo ano.
Aproveito, a oportunidade, para divulgar
o que Alice Moderno escreveu sobre o assunto. No jornal “A Folha” de 16 de
Outubro de 1910, pode ler-se:
“Informam
telegraficamente que em dezembro próximo será decretada a lei do divórcio.
Assim devia ser, e semelhante medida está perfeitamente de acordo com a
perfeita orientação do governo provisório da República Portuguesa. O divórcio é
permitido em todos os países em evidência pela sua supremacia intelectual, e,
muito longe de contribuir para a dissolução da família, é, pelo contrário, um
incentivo para a perfeita constituição da mesma”.
A 13 de Novembro, do mesmo ano, na
rubrica “URBI ET ORBI”, no mesmo jornal, o assunto do divórcio é referido do
seguinte modo:
“
Como noticiáramos no nosso último número, já foi decretada a lei do divórcio…Um
telegrama para um nosso colega diário diz ter essa lei dado origem a muitos
protestos. Suporão os protestantes
que o divórcio é obrigatório, como o serviço militar?!”
A
segunda afirmação “Legou os seus bens a
diversas causas de beneficência e adquiriu o imóvel das Capelas destinado à
Casa do Gaiato”, não faz qualquer sentido como se poderá verificar através da
apresentação de alguns dados.
No
dia 31 de Janeiro de 1946, Alice Moderno faz um testamento deixando como
herdeira proprietária dos seus bens a Junta Geral Autónoma do Distrito de Ponta
Delgada, ficando esta obrigada a criar um hospital para animais no prazo de
dois anos após a sua morte.
Alice
Moderno morre em Fevereiro de 1946 e menos de dois anos depois começou a
funcionar um espaço na Rua Coronel Chaves que mais parecia um canil do que um
hospital, passando depois para novas instalações que, segundo a prof. Conceição
Vilhena, “afirma-se, não tem aquelas dimensões desejadas pela sua fundadora”.
Depois
da morte do seu irmão, Vítor Rodrigues Moderno, em 1953, que era o usufrutuário
dos bens de Alice Moderno, a Junta Geral, em reunião realizada em 1954, decidiu
vender todos os bens e comprar uma casa e propriedade para a instalação da Casa
do Gaiato.
Como
se poderá concluir Alice Moderno não comprou a Casa do Gaiato, nem deixou em
seu testamento nenhuma indicação nesse sentido, tendo a aquisição sido da única
responsabilidade da Junta Geral.
Se estiver errado darei a mão à
palmatória.
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 30393, 23 de
Julho de 2014)
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