O dr.
José Pereira Botelho e Alice Moderno
No texto publicado a semana passada,
referi que quando o Dr. José Pereira, ilustre médico natural da Lagoa que viveu
em Ponta Delgada, na rua Margarida de Chaves, abandonou a sua atividade pública
Alice Moderno dedicou-lhe um poema que reproduzi.
O poema de Alice Moderno não resultou de
uma obrigação pelo facto de ela ser colaboradora do Diário dos Açores, pelo
contrário foi a manifestação de um reconhecimento pela bondade do Dr. José
Pereira Botelho e pela amizade que existia entre eles.
Para o Dr. Botelho, Alice Moderno não era
uma mera paciente, era muito mais do que isso, pois era regularmente convidada
para os seus aniversários. Segundo ela, o Dr. Botelho que fazia anos a 2 de
outubro, celebrava o seu aniversário no segundo domingo daquele mês, através de
um bodo aos pobres e um jantar oferecido a familiares e amigos, onde ela estava
incluía, fazendo-a sentar-se a seu lado.
A amizade de Alice Moderno pelo Dr.
Botelho era tanta que quando ela esteve para casar com o poeta Joaquim de
Araújo, aquela, numa carta a este dirigida, escreveu o seguinte:
“Se
o fizeres, faz aqui representar pelo Dr. José Pereira Botelho, e crê que ainda
que se esquadrinhasse ao meio-dia e com vinte lanternas, se não encontraria
aqui um homem mais digno de representar o meu querido Joaquim. Convidarei para
meus padrinhos meu pai e minha mãe, isto no caso de casar-me por procuração,
porque, no caso contrário o meu padrinho seria o Dr. Botelho.”
Já depois de ter deixado a vida pública,
quando Alice Moderno “estava a naufragar no abismo da morte” foi o Dr. Botelho,
já com 77 anos de idade, que a salvou.
Para ela, como se pode perceber através do
texto abaixo, o Dr. Botelho não era apenas um profissional da medicina:
“Era um amigo dedicado, que me distraía das
minhas dores com a sua conversa admirável e afetuosa. Passou muitas horas à
cabeceira do meu leito, e muitas vezes também, ao despertar de um sono
repousado que, por um pouco interrompia o meu sofrer atroz, o via sentado junto
de mim, olhando-me atento. Triste, às vezes, quando eu me inclinava para a
morte, resplandeceu de alegria, quando me via respirar menos aflitamente.”
Por ocasião de um aniversário do Dr.
Botelho, “a consciência mais reta, o carácter mais nobre e o melhor coração que
eu tenho conhecido”, Alice Moderno enviou-lhe o seguinte soneto:
Eu seio que é sofrer! Por
trinta e cinco dias,
No meu leito febril
estive agonizante!
A morte estava ali,
alegre, triunfante,
Com a luz do prazer nas
pálpebras sombrias.
Que dias sem alvor! Que
noites doentias!
Diminuía o vigor em cada
novo instante!
E a morte, a atroz visão,
a tétrica bacante,
Fitando alegremente as
minhas agonias!
Mas eu pude, afinal,
descer do meu calvário,
A morte sucumbira aos
botes do adversário,
Tivera de fugir raivosa,
entristecida…
Não posso ir aos seus pés
em dia tão ditoso
Mas vai este Soneto-
embaixador zeloso
Beijar por mim a mão que
me salvou a vida!
O falecimento do Dr. Botelho foi noticiado
no próprio dia, 6 de fevereiro de 1896, no Diário dos Açores pela mão, cremos,
de Alice Moderno que sobre ele escreveu o seguinte: “Democrata convicto,
inteligência lucidíssima, mente abeta aos grandes ideais, coração de ouro,
sensível a todos os sofrimentos, a morte do Dr. José Pereira Botelho deixa um
vazio impreenchível”.
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 32187, 22 de
julho de 2020, p. 16)
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