terça-feira, 21 de julho de 2020

O dr. José Pereira Botelho e Alice Moderno





O dr. José Pereira Botelho e Alice Moderno

No texto publicado a semana passada, referi que quando o Dr. José Pereira, ilustre médico natural da Lagoa que viveu em Ponta Delgada, na rua Margarida de Chaves, abandonou a sua atividade pública Alice Moderno dedicou-lhe um poema que reproduzi.

O poema de Alice Moderno não resultou de uma obrigação pelo facto de ela ser colaboradora do Diário dos Açores, pelo contrário foi a manifestação de um reconhecimento pela bondade do Dr. José Pereira Botelho e pela amizade que existia entre eles.

Para o Dr. Botelho, Alice Moderno não era uma mera paciente, era muito mais do que isso, pois era regularmente convidada para os seus aniversários. Segundo ela, o Dr. Botelho que fazia anos a 2 de outubro, celebrava o seu aniversário no segundo domingo daquele mês, através de um bodo aos pobres e um jantar oferecido a familiares e amigos, onde ela estava incluía, fazendo-a sentar-se a seu lado.

A amizade de Alice Moderno pelo Dr. Botelho era tanta que quando ela esteve para casar com o poeta Joaquim de Araújo, aquela, numa carta a este dirigida, escreveu o seguinte:

“Se o fizeres, faz aqui representar pelo Dr. José Pereira Botelho, e crê que ainda que se esquadrinhasse ao meio-dia e com vinte lanternas, se não encontraria aqui um homem mais digno de representar o meu querido Joaquim. Convidarei para meus padrinhos meu pai e minha mãe, isto no caso de casar-me por procuração, porque, no caso contrário o meu padrinho seria o Dr. Botelho.”

Já depois de ter deixado a vida pública, quando Alice Moderno “estava a naufragar no abismo da morte” foi o Dr. Botelho, já com 77 anos de idade, que a salvou.

Para ela, como se pode perceber através do texto abaixo, o Dr. Botelho não era apenas um profissional da medicina:
 “Era um amigo dedicado, que me distraía das minhas dores com a sua conversa admirável e afetuosa. Passou muitas horas à cabeceira do meu leito, e muitas vezes também, ao despertar de um sono repousado que, por um pouco interrompia o meu sofrer atroz, o via sentado junto de mim, olhando-me atento. Triste, às vezes, quando eu me inclinava para a morte, resplandeceu de alegria, quando me via respirar menos aflitamente.”

Por ocasião de um aniversário do Dr. Botelho, “a consciência mais reta, o carácter mais nobre e o melhor coração que eu tenho conhecido”, Alice Moderno enviou-lhe o seguinte soneto:

Eu seio que é sofrer! Por trinta e cinco dias,
No meu leito febril estive agonizante!
A morte estava ali, alegre, triunfante,
Com a luz do prazer nas pálpebras sombrias.

Que dias sem alvor! Que noites doentias!
Diminuía o vigor em cada novo instante!
E a morte, a atroz visão, a tétrica bacante,
Fitando alegremente as minhas agonias!

Mas eu pude, afinal, descer do meu calvário,
A morte sucumbira aos botes do adversário,
Tivera de fugir raivosa, entristecida…

Não posso ir aos seus pés em dia tão ditoso
Mas vai este Soneto- embaixador zeloso
Beijar por mim a mão que me salvou a vida!

O falecimento do Dr. Botelho foi noticiado no próprio dia, 6 de fevereiro de 1896, no Diário dos Açores pela mão, cremos, de Alice Moderno que sobre ele escreveu o seguinte: “Democrata convicto, inteligência lucidíssima, mente abeta aos grandes ideais, coração de ouro, sensível a todos os sofrimentos, a morte do Dr. José Pereira Botelho deixa um vazio impreenchível”.
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 32187, 22 de julho de 2020, p. 16)

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