quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

A propósito do aniversário da morte de Alice Moderno



A propósito do aniversário da morte de Alice Moderno

No próximo dia 20, do corrente mês de fevereiro, fará 68 anos que faleceu Alice Moderno, personagem ímpar que marcou a sua época e que continua a inspirar todos os que lutam por uma sociedade melhor, nomeadamente para quem se bate para que o bem-estar animal e os direitos dos animais sejam reconhecidos na prática e não passem de meras palavras para embelezar discursos de circunstância.
Um trabalho importante, talvez o de maior envergadura até ao momento, para a perpetuação da memória de Alice Moderno foi feito pela professora Doutora Maria da Conceição Vilhena que, para além de vários textos, foi autora dos livros Alice Modernoa mulher e a obra”, editado pela Direção Regional dos Assuntos Culturais e “Uma Mulher Pioneira” editado pelas Edições Salamandra.
Nos nossos tempos livres, temos procurado pesquisar e compilar, nos jornais de Ponta Delgada onde ela colaborou ou chegou a dirigir, como o “Correio dos Açores”, onde manteve durante muitos anos a seção “Notas Zoófilas” “A Folha”, “O Recreio das Salas”, o “Diário dos Açores” e o Académico”, os seus escritos relativos à questão animal, com vista a conhecer melhor a sua vultuosa obra, a aprender com os erros do passado e a divulgar, sobretudo junto das pessoas que hoje, nos Açores, estão a prosseguir a luta por ela abraçada durante uma parte significativa da sua vida.
Conhecendo relativamente bem a sua personalidade, tal como já esperávamos, temos encontrado textos de Alice Moderno que com ligeiras adaptações mantêm-se perfeitamente atuais. De entre os exemplos possíveis, destacamos “Animais nossos amigos…”, texto de um discurso proferido por Alice Moderno numa reunião da SMPA - Sociedade Micaelense Protetora dos Animais, que foi publicado, no Correio dos Açores, a 30 de Janeiro de 1934.
No referido texto, Alice Moderno depois de mencionar que “em todos os países cultos, a proteção e assistência aos animais constitui um dever cívico, a que ninguém se exime, e pelo cumprimento do qual as leis olham cuidadosamente, rigorosamente, mesmo”, lamenta que, “em São Miguel, com sincera mágoa” pouco havia sido feito.
Sabendo-se que a SMPA foi fundada em 1911 e que uma vintena de anos depois a situação, segundo ela, estava muito longe de ser a ideal interessa-nos saber a razão?
As autoridades não colaboravam com a SMPA, as propostas da SMPA eram muito avançadas para a época, em que as dificuldades económicas de uma parte significativa da população eram enormes, ou os próprios dirigentes da sociedade pela sua apatia não foram capazes de implementar as suas ideias/propostas?
Hoje, em que uma parte crescente dos cidadãos se empenha em movimentos de solidariedade, não só para com humanos que vivem em regiões com poucos recursos naturais ou são governados por dirigentes corruptos, mas também para com quem na nossa terra foi espoliado do seu direito a ter um trabalho digno e uma remuneração justa, e onde a causa animal ganha, dia a dia, cada vez mais seguidores, é indispensável conhecer a vida e a obra de uma mulher que despendeu muitas das suas energias em várias causas humanitárias, como é a proteção dos animais, que segundo ela “sofrem muitas vezes estoicamente, sem um queixume, os maus tratos que a crueldade humana lhes inflige”.
Desafiamos as entidades oficiais a organizar um ou mais eventos que contribuam para dar a conhecer a obra de Alice Moderno, na literatura, no ensino, na luta pelos direitos das mulheres, na defesa dos animais e das plantas, às gerações que hoje a ignoram por completo.
Se nenhuma entidade oficial se mostrar disponível para tal, as associações de proteção dos animais deviam juntar esforços para o fazer, pelo menos no que diz respeito à causa que abraçaram.
Outro grande passo para perpetuar a sua memória será a luta pela concretização do grande sonho da SMPA e de Alice Moderno que era “estabelecer um Lazareto para tratamento dos animais achados quando abandonados pelo dono” e que hoje deve ser o de “criar” um moderno Hospital Veterinário “Alice Moderno”.
Teófilo Braga

(Correio dos Açores, nº 3023, 19 de Fevereiro de 2014, p.11)

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Alice Moderno no jornal Fazendo 89


Leia todo o jornal aqui: http://issuu.com/fazendofazendo/docs/fazendo_net_89/1?e=1121807%2F6585988

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

A VONTADE DE ALICE MODERNO VAI SER RESPEITADA?


A VONTADE DE ALICE MODERNO VAI SER RESPEITADA?

1-   O bem-estar animal e o controlo das populações de animais errantes

Foi com muita satisfação que recebi a notícia da aprovação, por maioria, pela Assembleia Legislativa Regional dos Açores, no passado dia 10 de Dezembro, de uma resolução que visa a promoção do bem-estar animal e o controlo das populações de animais errantes.

Se estão de parabéns todos os deputados que aprovaram a resolução, bem como todas as entidades que emitiram os seus pareceres favoráveis, como o Clube dos Amigos e Defensores do Património Cultural e Natural de Santa Maria e a APA- Associação Açoriana de Proteção dos Animais, lamenta-se o silêncio, embora possa haver justificações fortes para tal, de outras associações de proteção dos animais.

Embora respeitável, já que todos têm direito à sua opinião, considero lastimável o parecer da Delegação dos Açores da Ordem dos Médicos Veterinários, pois emite opiniões sobre um texto treslido.

Não deixando de ser extremamente positiva a aprovação da resolução, tenho sérias dúvidas acerca da sua implementação já que há sempre alguém apostado em puxar para trás, em tentar impedir a evolução das sociedades.

Não vou aqui rebater os vários argumentos contra a resolução, apenas mencionei o dos custos da implementação de uma política de não abate que é recomendada por várias organizações internacionais.

Por acaso, já alguém apresentou algum estudo com os custos do abate sistemático e da incineração dos milhares de animais mortos nos canis, licenciados ou não, nas diferentes ilhas dos Açores e que nunca pararão já que sem esterilizações os animais continuarão a procriar-se?

Temos dúvidas se o farão, pois o que é chique é fomentar o consumo, o usar e deitar fora e, no caso em apreço, é comprar e oferecer animais pelas festas ou aniversários para os abandonar à primeira oportunidade.

2-   Por que razão aderi à causa animal?

Há algum tempo, estou em crer que em jeito de brincadeira, alguém escreveu numa conhecida rede social que não podia contar comigo pois eu era amigo dos animais e não dos humanos.
Como não tenho que dar provas de nada e como cada um tem a liberdade de escrever o que lhe vai na alma, apenas aproveito para enumerar algumas razões que me motivam a lutar pelos direitos dos animais e que são, em síntese, as seguintes:
1-      Porque ninguém sensível poderá ficar indiferente, no caso dos animais de companhia, à barbaridade que consiste no abate, anualmente, de 100 mil animais em Portugal nos canis municipais, resultado de compras irrefletidas, de adoções irresponsáveis, de falta de compaixão e de políticas erradas;

2-      Porque não é incompatível o envolvimento na causa animal com a adesão a todas as outras. Quem contribui com o seu trabalho voluntário ou monetariamente para a proteção dos animais não está impedido de o fazer para outras causas, como o combate à fome no mundo ou na nossa terra, o apoio aos idosos ou aos sem-abrigo, etc..

3-      Porque, como muito bem escreveu Alice Moderno, “Caridade não é apenas a que se exerce de homem para homem: é a que abrange todos os seres da Criação, visto que a sua qualidade de inferiores não lhes tira o direito aos mesmos sentimentos de piedade e de justiça que prodigalizamos aos nossos semelhantes”.

4-      Finalmente, porque, como muito bem escreveu Álvaro Múnera, antigo toureiro colombiano que, arrependido, passou a dedicar-se à defesa animal: “os animais vivem um absoluto inferno por culpa do beneficiário de noventa e nove por cento das causas existentes, o ser humano”.
Teófilo Braga

(Correio dos Açores, nº 2992, 9 de Janeiro de 2014, p.13)

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Alice Moderno e Vila Franca do Campo




ALICE MODERNO E A PROTEÇÃO DOS ANIMAIS EM VILA FRANCA DO CAMPO

Já por diversas vezes tive a oportunidade de escrever sobre o papel de Alice Moderno (1867-1946) na luta pela proteção dos animais no arquipélago dos Açores, nomeadamente na fundação e dinamização da atividade da Sociedade Micaelenses Protetora dos Animais, na denúncia persistente dos maus tratos infligidos aos animais de companhia e aos usados no transporte de mercadorias e, por último, no seu contributo, através da sua herança, para a construção de um hospital para tratamento dos animais doentes.
Numa altura em que um, ainda pequeno, grupo de vilafranquenses sensíveis à causa animal está a preparar uma ação de sensibilização com vista a minorar o sofrimento dos animais de companhia que são vítimas de maus tratos e de abandono, acabando por ir parar aos canis onde na sua maioria são abatidos, achei por bem dar a conhecer, através dos relatos de Alice Moderno, o que se passava no início do século passado e fazer o confronto com o que se passa hoje.
Começo por recordar que o jornal “O Autonómico”, que se publicou em Vila Franca do Campo, foi um grande defensor dos animais, quer saudando a criação de associações de proteção, quer exigindo o cumprimento do código de posturas municipal, quer denunciando os abusos cometidos.
A este propósito, Alice Moderno, a 13 de Outubro de 1912, denunciou no seu Jornal “A Folha” a existência “na pátria de Bento de Góis” de “um vendilhão de peixe, surdo-mudo de nascença, que espanca o pobre burro que lhe serve de ganha-pão com uma ferocidade inaudita e revoltante”. Segundo ela, que presenciou o episódio, “o pobre burro” foi alvo de “enormes bordoadas” por parte de um “ferocíssimo aborto” que estava “armado de um grosso cacete”.
Hoje, os animais de tiro quase desapareceram e com o seu desaparecimento terão acabado (?) os maus tratos de que eram vítimas e que cheguei a presenciar, na Ribeira Seca, durante a minha infância e juventude. 
Ainda recentemente, tive a oportunidade e a tristeza de observar, em Água d’Alto, um cavalo que estava debilitado, fruto de um alimentação insuficiente e possivelmente de falta de tratamento veterinário adequado.
No que diz respeito ao melhor amigo do homem, o cão, Vila Franca do Campo tem, por um lado, exemplos de pessoas que têm sabido dedicar algum do seu tempo à sua proteção e, por outro, tem exemplos de gente de coração empedernido que trata os animais como se calhaus fossem.
Em 1945, Alice Moderno denunciou, no Diário dos Açores, o facto de “Vila Franca das Flores” se distinguir “pela guerra feita ao mais fiel amigo do homem, o pobre cão”.
No texto referido, intitulado “Envenenamento de um cão”, Alice Moderno menciona as denúncias que tem recebido por parte de vários vilafranquenses, entre os quais o Dr. Urbano Mendonça Dias, relativas ao “lamentável espetáculo que oferecem, expostos nas ruas, cadáveres de cães a que foi propinada estricnina por mão incógnita e impiedosa”.
Por último, Alice Moderno menciona um caso de abandono, muito comum nos dias de hoje, que mostra a crueldade de alguns e a humanidade de outros. Aqui fica o relato:
“Ultimamente deu-se mais um destes casos: um continental saiu da vila abandonando o um pobre cão que possuía.
Uma gentil criança, filha do sr. Manuel Cabral de Melo, residente na rua da Vitória, tomou o desamparado quadrúpede sob a sua proteção, e todos os dias lhe fornecia um repasto que lhe garantia a existência.
Pessoa de mau coração - parece que moradora na mesma rua e muito embora o infeliz animal fosse absolutamente inofensivo, entendeu eliminá-lo da circulação envenenando-o cruelmente com grande mágoa do seu jovem protetor, cujo excelente coração é digno de maiores elogios.
Felizmente, parece que semelhantes casos não se repetirão por muito tempo visto que no continente da República há quem esteja eficazmente ocupando dos direitos dos irracionais e do dever que assiste ao Estado de os proteger”.
Infelizmente, quase setenta anos depois, o flagelo do abandono de animais de companhia ainda não foi debelado. Até quando continuará o crime sem castigo?
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, nº 2946, 13 de Novembro de 2013, p.16)

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Educadores Açorianos



O Professor Catedrático da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa, António Sampaio da Nóvoa, é autor de uma obra fabulosa editada, em 2003, pelas Edições Asa intitulada “Dicionário de Educadores Portugueses”. Nesta obra o autor reúne 900 biografias de homens e mulheres que durante os séculos XIX e XX dedicaram as suas vidas à educação e ao ensino.

No seu livro, António da Nóvoa não se esqueceu dos Açores, tendo apresentado as biografias de alguns açorianos, como Alice Moderno, Ana Augusta Castilho, António Augusto Riley da Mota, João Anglin e Maria Evelina de Sousa.

Em textos anteriores já fiz referência a alguns dos educadores mencionados acima, com destaque para Alice Moderno e Maria Evelina da Sousa, pelo contributo que deram à proteção dos animais, João Anglin, por na sua juventude ter sido adepto do anarquismo e António Augusto Riley da Mota, pela defesa do ensino experimental.

No caso do desprezo a que tem sido votado o ensino das ciências experimentais recordo que estamos a caminhar para a situação denunciada pelo Dr. António Augusto Riley da Mota que deu a conhecer o facto de ter feito o ensino liceal, em Ponta Delgada, entre 1905 e 1910, sem nunca “ter visto um tubo de ensaio, nem o ácido sulfúrico.”

Maria Evelina de Sousa, que foi professora primária oficial e jornalista, distinguiu-se pela criação da Revista Pedagógica, órgão do professorado oficial açoriano, que se publicou entre 1906 e 1916.

Republicana, como Alice Moderno, Maria Evelina de Sousa ainda durante o regime monárquico defendeu “a proibição do ensino de matéria religiosa nos estabelecimentos escolares, congratulando-se com o decreto republicano que extingue, nas escolas primárias e normais, a doutrina cristã”.

Até à relativamente pouco tempo desconhecida para mim, a terceirense Ana Augusta de Castilho (1866- 1916) que foi professora e escritora, distinguiu-se a nível nacional por ter participado ativamente em várias associações feministas e por ser considerada pelas pessoas que com ela conviveram e defenderam as mesmas causas “uma das mais prestigiadas defensoras dos direitos das mulheres”.

Sobre a sua dedicação à concretização dos seus ideais, Alice Moderno escreveu: “D. Ana de Castilho era uma figura neste meio desfalecido, apagado, em que as individualidades cedem aos preconceitos, atrofiando-se, aniquilando-se com medo do ridículo. Ela nunca receou o ridículo, nunca se importou com os sorrisos ineptos que se esboçavam à sua passagem, nunca perdeu a fé no seu credo social, no seu apostolado, de inteligência, de bem, de paz. Foi e era a alma de todas as associações femininas de propaganda e de beneficência que se têm fundado entre nós”.

Segundo Maria Evelina de Sousa, Ana Augusta de Castilho “procurava sempre, com brilho e eloquência, demonstrar a necessidade absoluta e inadiável de se praticar Justiça na humanidade, levantando-se o nível moral das sociedades pela emancipação da mulher como estabelecimento da igualdade de direitos e deveres entre os dois sexos de que essa humanidade se compõe, a fim de que a civilização não continue a ser uma palavra vã e possa significar a perfeição a que todo o ser aspira”.

Para terminar, apresento aqui um dos seus argumentos, extraídos da obra Republicanas quase desconhecidas, da autoria de Fina d’Armada, para combater quem era contrário ao direitos das mulheres votarem:

“Diz-se que a mulher, tendo o voto, descurará as suas ocupações domésticas. Que argumento tão pueril! Porventura o operário, que tem a faculdade de votar, abandona, por esse facto, o labor da sua profissão?”

Por último, para Ana Castilho a não concessão do voto à mulher é justificado porque “ é o predomínio, é o direito de posse [do homem], é a supremacia sobre a mulher de que ele não se quer ver privado”
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, nº 2791, 8 de Maio de 2013, p.18)

quinta-feira, 18 de abril de 2013